Nasci em uma época em que as artes marciais orientais cruzavam fronteiras e encantavam o mundo! Cresci sob a influência direta do cinema asiático, especialmente dos filmes chineses que, com acrobacias e códigos de honra, despertavam o fascínio de uma geração inteira. Aquilo me capturou ainda menino — não como entretenimento, mas como vocação.
Entrei no tatame aos seis anos. O Judô foi meu primeiro contato prático com esse universo. Embora minhas referências visuais fossem mais velozes e performáticas, foi no ritmo silencioso do Judô que entendi pela primeira vez o valor da constância, da repetição e da superação. A prática me moldava sem que eu notasse. As artes marciais não me transformaram — elas apenas revelaram o que já estava em mim.
Nos anos seguintes, conheci o Hapkido. Com ele, vieram o encantamento, a intensidade, os primeiros desafios reais. No início, tudo era absorção: o corpo treinava, a mente seguia, o espírito se animava. Mas conforme fui amadurecendo na prática, principalmente depois da graduação como faixa preta, algo começou a inquietar. Já ministrando aulas, percebia com clareza as inconsistências técnicas entre escolas, os discursos contraditórios, as histórias divergentes sobre a própria origem da arte. A estrutura parecia sólida, mas havia falhas demais nas fundações.
Naquela época, o Hapkido no Brasil era pequeno em número, mas grande em presença! Poucas academias, mas todas com peso. Ainda assim, cada uma parecia falar uma língua própria. Era como se todos usássemos o mesmo uniforme, mas cada qual com uma gramática distinta. Essa falta de unidade técnica me desafiava. Não por orgulho, mas por responsabilidade.
Foi nesse contexto que meu mestre da época, Sérgio Fernandez, partiu para o Japão. Fiquei sem referência direta. Pouco depois, fui graduado 1º Dan pelo Grão Mestre Kim Jong-man — uma figura que já vinha se tornando constante em nossos treinos. Enviado pela International Hapkido Federation (IHF), ele trouxe ao Brasil um conteúdo técnico que destoava do que se praticava até então: mais circular, mais fluido, mais conectado com princípios profundos de harmonia, respiração e movimento.
Começávamos ali a estudar o que na época era chamado de Hapkimuyedo — uma síntese desenvolvida por GM Myung Jae-nam que mais tarde receberia o nome de Hankido. A proposta não era apenas uma variação do Hapkido tradicional. Era uma nova estrutura, com didática própria e raízes filosóficas claras. Tive o privilégio de ter contato direto com esse conteúdo logo em sua chegada ao Brasil. Nossa escola, sob a liderança do Mestre Sérgio, foi uma das duas a receber formalmente esse ensinamento — a outra era a do Grão Mestre Luiz Miele.
Em paralelo, sentindo a necessidade de compreender melhor os elementos técnicos que me cercavam, iniciei também meus estudos em Taekwondo e, posteriormente, em Aikido. A busca era legítima: eu procurava entender, comparar, aprofundar. Achava que os chutes do Taekwondo e as imobilizações do Aikido talvez explicassem as raízes do Hapkido. Mais tarde, compreendi que essa leitura era simplista — mas o caminho valeu pela bagagem que trouxe!
Enquanto isso, o Hankido começava a tomar forma como uma arte independente. Em um dos eventos internacionais da IHF na Coreia, meu mestre participou da apresentação oficial do Hankido como nova modalidade. Mas, infelizmente, o nascimento dessa arte encontrou resistência. Muitas escolas de Hapkido não estavam dispostas a reaprender. O Hankido era exigente — tecnicamente, filosoficamente, metodologicamente. Não havia espaço para fórmulas prontas.
A situação se agravou com a morte prematura de seu criador, o GM Myung Jae-nam. A linhagem da IHF enfraqueceu. E foi então que o herdeiro técnico mais legítimo, GM Ko Baek-yong, seguiu com a missão de manter a essência viva da arte em sua escola, a Sangmukwan — onde o Hankido havia, de fato, sido lapidado.
Foi nesse momento que decidi me aproximar de uma figura que sempre admirei: o Grão Mestre Luiz Miele. Eu já conhecia sua reputação, mas ainda não tínhamos cruzado caminhos diretamente. Fui até ele, compartilhei minha história e pedi para integrar sua escola. Ele me recebeu de braços abertos! A partir dali, nossa relação foi se fortalecendo, consolidando-se em um vínculo técnico e humano que se mantém até hoje.
Miele é um mestre raro. Um mentor. Alguém que educa, questiona, compartilha e nunca se acomoda. Estar ao lado dele é viver em estado de pesquisa constante. É ter certeza de que tradição e curiosidade podem caminhar juntas!
Treinamos juntos. Estudamos. E viajamos para a Coreia do Sul. Lá, conheci de perto o GM Ko Baek-yong. Fiquei hospedado em sua casa. Treinei com ele e com seu filho, Ko Se-hwan. Experimentei com o corpo e com a mente aquilo que, até então, era apenas teoria: o Hankido não era uma adaptação do Hapkido, tampouco um derivado do Aikido. Era uma proposta autêntica. Estruturada. Viva!
Mas a minha jornada não parou aí. Com o tempo, percebi que minha atuação como professor e praticante extrapolava qualquer estilo específico. Minhas aulas já não eram apenas para formar lutadores. Recebia pessoas em busca de equilíbrio, de presença, de saúde, de entendimento. Muitos não queriam um combate. Queriam apenas respirar melhor. Se mover com consciência. Encontrar sentido.
Foi desse amadurecimento — técnico, filosófico e humano — que nasceu o MUSULDO.
무술도 (武術道). O caminho pela arte marcial. Não uma nova arte. Não uma fusão. Mas uma forma mais honesta e contemporânea de olhar para todas elas. Uma proposta ampla, democrática e profundamente conectada com as necessidades reais das pessoas!
No MUSULDO, o praticante não precisa se adaptar à arte. A arte é que se estrutura para acolher o praticante. Se alguém busca tradição, encontrará. Se busca performance, encontrará. Se busca equilíbrio, encontrará. Porque a base é técnica, mas o sentido é humano!
Antes de qualquer aula, há sempre uma conversa. Uma escuta. Porque no MUSULDO, ninguém entra apenas em uma sala. Entra em um percurso!
E esse percurso é construído com responsabilidade, com método, com liberdade!
Hoje, com décadas de prática e pesquisa, sei que uma arte marcial só continua viva quando entrega algo real. Quando respeita a sua história, mas não se prende a ela. Quando entende que tradição não é prisão — é solo fértil. Que legado não é estátua — é caminho trilhado com verdade!
Meu compromisso é esse: manter a arte em movimento.
Não apenas o corpo. Mas o olhar. A escuta. A intenção!
Porque é nesse detalhe — sutil e decisivo — que mora o sentido de tudo!

Claudio Fauza
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